Outubro 2020 | Economia Circular: oportunidade para criar valor por João Catarino [Artigo Opinião]

João Catarino é professor adjunto, no departamento de marketing e logística, da Escola Superior de Ciências Empresariais, do Instituto Politécnico de Setúbal. Tem uma carreira profissional, de mais de 20 anos, em várias indústrias onde desempenhou cargos técnicos e de gestão, nas áreas das compras, gestão de operações e logística. Os seus interesses de investigação académica abrangem a gestão da cadeia de abastecimento, inovação & desenvolvimento de novos produtos e sistemas de suporte à decisão. 


A nossa economia industrial tem funcionado, essencialmente, com base num modelo linear de consumo de recursos, assente no padrão recolha-produção-eliminação, no qual todos os produtos alcançam, inevitavelmente, o seu fim de vida útil. As empresas colhem ou extraem recursos, que são utilizados para fabricar um produto, que é posteriormente vendido ao consumidor. Produto esse que, assim que não sirva mais o seu propósito, é descartado. 

A economia circular propõe novos padrões de produção, consumo e utilização, com base em fluxos circulares dos recursos, criando um sistema industrial que é deliberadamente restaurador e regenerativo, à semelhança dos ecossistemas que encontramos na natureza.  Este sistema industrial, utiliza preferencialmente energias renováveis, procura eliminar o uso de químicos tóxicos e de desperdício, através de um design superior de materiais e produtos. 

A Comissão Europeia tem vindo a adotar, desde 2015, diversos planos de ação, com medidas para ajudar a estimular a transição da Europa para uma economia circular. Um estudo recente, efetuado pela Cambridge Econometrics (2018), aponta para um crescimento adicional de 0.5% do PIB Europeu e para a criação de 700,000 novos postos de trabalho até 2030, com esta transição. Paralelamente, um estudo efetuado pela Ellen MacArthur Foundation, Sun e McKinsey & Co (2015) onde foi analisado o potencial da economia circular aliada a avanços tecnológicos espectáveis, coloca o potencial crescimento do PIB Europeu em 7 pontos percentuais, para o mesmo horizonte temporal. Independentemente dos cenários mais otimistas ou conservadores, parece indiscutível que a economia circular representa uma enorme oportunidade de criação de valor para as empresas e para novas ideias de negócio.  

O desenvolvimento de novos produtos é, desde logo, um aspeto importante, na medida em que até 80 % do impacto ambiental dos mesmos é determinado na fase da conceção. Um desenvolvimento de produto inovador, assente em princípios de sustentabilidade, associado a um modelo de negócio que define a forma como o valor é criado e capturado, é essencial para este novo paradigma. Estes princípios de sustentabilidade passam, entre outros, por melhorar a fiabilidade, a durabilidade, a adaptabilidade, a possibilidade de reutilização, a capacidade de atualização e a reparabilidade dos produtos. Outros aspetos importantes são a remanufactura e a reciclagem de alta qualidade. Alguns destes princípios, poderão, a curto prazo, ser incluídos em iniciativas legislativas da União Europeia com carácter obrigatório. 

Por outro lado, modelos de negócio assentes em “produto como um serviço”, em que uma empresa mantém a propriedade do produto e a responsabilidade pelo seu desempenho, ao longo do ciclo de vida, são também potenciadores da circularidade da economia. Este tipo de modelos de negócios, permite às empresas capturar valor, que não seria possível de obter num modelo linear. Por exemplo, os custos adicionais para extensão de vida do produto, são compensados pelas receitas adicionais, resultantes do acréscimo da sua utilização.     

Mas, uma transição para a economia circular, não se limita apenas a questões relacionadas com o desenvolvimento de novos produtos ou novos modelos de negócio. Esta obrigará, em muitos casos, a alterações profundas na forma como as empresas se relacionam. A complexidade das cadeias de abastecimento irá provavelmente aumentar, no que diz respeito a aspetos logísticos, financeiros e jurídicos. Vários atores de uma cadeia, poderão também, ficar relutantes em se envolver em processos inovadores de economia circular, devido aos riscos percebidos para a sua vantagem competitiva, ou devido a uma mentalidade que não prioriza as práticas de economia circular.  

O alargamento das práticas circulares, para além da oportunidade de criação de valor para as empresas, é um dos aspetos decisivos para que se alcance a neutralidade climática do planeta e, para que se possa dissociar o crescimento económico, da utilização dos recursos. Compete-nos, também a nós, consumidores, exigir que os produtos que consumimos, durem mais tempo e sejam concebidos de acordo com alguns dos princípios de sustentabilidade mencionados.