Maio 2022 Entrevista | Fungine, um sonho além-fronteiras
Desde graduado que Alexandre Reis procura trabalhar com cogumelos comestíveis e mostrar ao mundo as potencialidades dos mesmos. Os cogumelos podem ser uma solução à questão ainda existente da insegurança alimentar, que o mesmo considera bastante preocupante. A ideia da Fungine começou a ser desenvolvida em 2014, mas só em 2019 ganhou vida, tendo-se internacionalizado em 2020, com a vinda para Portugal.
Qual a origem do projeto?
A minha ideia já tem os seus 22 anos. Desde a minha graduação que procuro trabalhar com cogumelos comestíveis e desde da minha graduação que percebo o potencial tecnológico não só dos cogumelos mas de todos os fungos. No entanto, só em 2014, ano em que terminei o doutoramento, é que resolvi montar a minha empresa. Em 2019, passados 5 anos para absorver essa ideia e ter a coragem de começar a trabalhar, resolvi então criar a start-up Fungine.
O seu nome é originado de Fungi Nordeste Pesquisas em Biotecnologias que, no fundo, é uma homenagem à região de onde venho e que carece muito desse investimento em biotecnologia. Em 2020, decidi fazer esta internacionalização e entender a forma como a União Europeia estava recetiva para essas novas ideias e contextos.
Porquê começar em Portugal?
Portugal é um país acolhedor. Depois, existe um conjunto de outras valências importantes: a facilidade de perceber os meios legais, a semelhança linguística e o facto de ser uma boa porta para a União Europeia. Portugal também possui os meios para receber estas ideias. Exemplo disso é o IPS, dotado de laboratórios capazes de trabalhar estas questões e, ainda, Portugal é um país europeu que possui muitos mais recursos.
É interessante pensar em Portugal como uma porta aberta para a União Europeia.
É um país que tem muito valor. Sob o ponto de vista de desenvolvimento ainda tem muito a ser explorado. Portugal ainda tem uma a insegurança alimentar que ronda os 11% da população, e precisamos de arranjar solução para esse problema. É aí que entra a Fungine.
Qual a necessidade de mercado a que tenta responder a Fungine?
Uma coisa que me incomoda bastante, no Brasil, é o facto de termos mais meios do que pessoas e, mesmo assim, as pessoas lá têm muitos problemas de segurança alimentar. Isso incomoda-me no sentido de que é necessário trazer uma solução que não seja desagradável, mas que seja rápida e disponível para toda a população. A viabilidade biológica e económica dos fungos traz essa possibilidade de mitigar tanto problemas ambientais como socioeconómicos no Brasil, mas também em Portugal, que possui um nível de insegurança alimentar bastante assustador.
É um grande desafio aliar o empreendedorismo ao seu negócio?
É um meio muito dinâmico. É completamente diferente de estar na academia apenas. Lidamos com a economia que tanto tem mudado ultimamente, com a pandemia e com a guerra. Com tantas mudanças, nós fazemos um plano de negócios que rapidamente fica desatualizado.
É desafiante porque nos obriga a irmos sempre adaptando o nosso trabalho e a arranjar soluções face a estas alterações recorrentes.
Como se deu o primeiro contacto com a IPStartUp?
O meu primeiro contacto foi com a Sandra Pinto, alguém super acolhedor. Nós precisávamos de encontrar incubadoras em Portugal e tínhamos muitas dúvidas de como iria ser a nossa adaptação e experiência cá.
Quando chegámos ao Politécnico de Setúbal, fomos muito bem recebidos e a Sandra Pinto deu-nos logo feedback de como poderíamos trabalhar futuramente. O IPS tem laboratórios bem equipados e existem muitos projetos em desenvolvimento nesta instituição. É algo que nos abre muitas portas e possibilidades.
De que forma a IPStartUp tem apoiado e que tipo de apoios têm sido prestados?
Através de um apoio mais pessoal e humanístico, o que é muito importante. Depois, somos apoiados no nosso negócio, com os mentores e as estruturas preparadas. Neste momento, passado um ano, temos um conceito mais maduro e mais preparado para a procura por investimentos.
Que perspetiva faz da evolução da Fungine desde o momento em que entrou na IPStartUp até agora?
A Fungine evoluiu muito pessoalmente e na parte empreendedora. Temos mais dois sócios no Brasil e, sempre que trocamos ideias, eu fico muito entusiasmado por mostrar o quanto tem evoluído o investimento em mim aqui.
A evolução que tive cá, enquanto empreendedor, foi surpreendente, especialmente numa cultura que é diferente da minha. Esta experiência deu-me um crescimento enorme, ensinou-me como me devo relacionar com os meus investidores e clientes. É algo muito importante para mim.
Esse crescimento foi tal que já começaram mesmo a concorrer a calls, como a EIT FOOD. Como foi essa experiência?
É verdade. Não só aqui, como também lá no Brasil. Ontem, tivemos uma grande notícia de que a Fungine passara para a terceira fase de uma call no qual nem tínhamos passado da primeira fase na primeira vez que participámos. Só aí, nota-se a nossa evolução.
Aqui também temos grandes experiências. Tivemos algumas dificuldades, por conta da língua, e a Sandra tem-nos apoiado imenso nisso. Conseguirmos fazer com que o negócio cresça é o que mais pretendemos e, neste momento, estamos muito perto de chegar a bom porto.
Como foi o processo de participação na EIT FOOD?
Éramos 210 concorrentes em toda a União Europeia. 60 passaram à segunda fase e, nessa fase, escolhemos uma área de foco. No caso da Fungine, atuámos nas proteínas alternativas. Concorremos com outras equipas, mas sem grandes expectativas por conta do nosso estado de desenvolvimento. Porém conseguimos e continuamos aqui.
A terceira fase é mais focada em conhecer o mercado e encontrar potenciais parceiros que nos ajudem a chegar, finalmente, ao nosso cliente, que é quem nos dará depois mais recursos.
Acredito que nós somos aqueles que transformam uma sociedade, temos esse compromisso social.
Que expectativas traziam para a EIT FOOD e que valências adquiriram?
A expetativa que nós tínhamos era a de passar a uma próxima fase. Estamos muito seguros disso e existe uma grande maturidade na nossa ideia, uma forma de pensar bastante alinhada na nossa equipa. Nesta próxima fase precisamos de estar entusiasmados sobre aquilo que apresentamos para chamar a atenção de possíveis investidores.
Qual a maior dificuldade de implementar a Fungine no mercado?
A mudança do pensamento do consumidor, talvez. É muito desafiante tentar entender esse facto e torna-se importante entender o atual consumo. Existe muito desperdício, há muita insegurança que conduz à incerteza das pessoas. É difícil convencer alguém nesse contexto.
Nós somos agentes transformadores da sociedade e temos que levar esta missão a sério. Mais empreendedores deviam pensar no mesmo. Um dos grandes desafios é a precariedade do cientista. Muitas vezes não recebem a sua valorização, quando são expostos a grandes perigos. A minha meta futura é fazer da Fungine um instituto onde tenha pessoas também a estudar e a minha dificuldade é a minha meta futura.
Que perspetivas para o futuro?
O nosso sonho é sempre crescer. O meu desafio hoje é tentar tornar esse sonho em realidade para que, no futuro, seja um Instituto. Portugal é um local onde se cresce muito e todas essas características alimentam esse sonho de criar o Instituto Fungine. Espero que, em 10 anos, possa rever este texto e ver a evolução.