Janeiro 2024 | À conversa com Alcina Dourado: Empreender com cultura de aversão ao risco

A IPStartUp esteve à conversa com a professora Alcina Dourado, docente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal integrada no departamento de Ciências da Comunicação e da Linguagem.  

Enquanto mentora da IPStartUp na área da Comunicação Estratégica e Organizacional, reforça a importância de capacitar estudantes para alcançarem o seu potencial empreendedor e enfrentarem os desafios do mercado de trabalho, numa conversa que pode ser lida em seguida:  

Qual o papel do empreendedorismo na sua vida? 

Para mim, o conceito de empreendedorismo está relacionado intimamente com a nossa capacidade de tomar iniciativa e resolver problemas, os nossos e os dos outros, de forma a ter um papel ativo na comunidade. Nesta perspetiva, somos todos empreendedores e, assim, sou empreendedora desde os primeiros momentos.  

A partir do momento em que comecei a lecionar e comecei a trabalhar em áreas como Ciências da Comunicação e Marketing, trabalhei sempre diretamente com empresas. Aí, falar em empreendedorismo fazia todo o sentido. Até que existiu uma fase em que esta tendência começou a ser mais debatida nas instituições de ensino superior. E depois, o salto e a ligação que se estabeleceu entre agir em função dos problemas, encontrar soluções e pensar numa lógica mais macro relacionada com o mundo empresarial e com o empreendedorismo social foi feita de forma muito rápida e natural.  

Enquanto professora, como alcançar o potencial empreendedor que nasce na comunidade académica? 

Os estudantes não costumam estar muito formatados para esta lógica de pensar fora da caixa e considerar os problemas que estão lá fora, embora tenham vontade de estabelecer essa relação. Torna-se muito difícil e muito arriscado sair do contexto seguro e das situações simuladas e entrar num contexto relacional com outras entidades e com os problemas dessas entidades.  

Esses aspetos tão necessários para conseguirem relacionar-se são as tais competências conhecidas por soft skills, que não estão a ser tão bem trabalhadas como seria desejável, embora eu sinta que os estudantes têm essa necessidade e gostariam de ter essa capacidade de interagir com os públicos externos e com situações reais.  

Por outro lado, é difícil que percebam que o erro faz parte do processo e abraçar o erro é difícil, mas indispensável. As escolas não nos formatam para aceitarmos tão bem o erro, nem o abraçam dentro das suas pedagogias de trabalho. Ainda existe essa dificuldade. No entanto, há imenso potencial no meio académico. É uma questão de autoconhecimento, de cada estudante perceber o perfil que tem e o que mais gosta de fazer, assim como o contributo que pode dar à comunidade e arriscar empreender.  

É necessário que eles percebam que podem criar o seu próprio negócio, resolvendo a sua necessidade de serem autónomos financeiramente e de se concretizarem, de serem felizes com o trabalho que fazem, ao mesmo tempo que resolvem problemas de terceiros. E esse pensamento é algo que eu tento incutir nos meus estudantes que, por vezes, podem pensar que não é tão óbvio virem a criar um negócio. Algo que digo sempre é “se tu encontraste um problema, sabes que podes resolver através de uma determinada solução e tens ferramentas para a implementar, só precisas de colocar as mãos na massa”.  

Claro que, depois, depende de muitos fatores. Depende do perfil dos professores, depende do tipo de unidade curricular e torna-se mais fácil dar o salto para o empreendedorismo se nós, enquanto professores, adotarmos metodologias mais ativas que levem os estudantes a ter essa aversão ao risco reduzida e um amor à resolução de problemas mais natural.  

Qual a motivação para se tornar mentora da IPStartUp e como tem sido essa experiência? 

Eu tinha interesse em conhecer a IPStartUp melhor. Queria perceber o que fazia e dava a conhecer aos estudantes, precisamente por esta lógica de criar oportunidades em que tivessem experiências de terreno e contacto com o exterior. Houve alguma articulação entre pessoas que trabalhavam dentro desta área e, a partir dessa conexão, percebi que existia esta potencialidade de colocar o meu conhecimento ao serviço de empresas e empresários em início da sua carreira, com dificuldades especificamente dentro da minha área.  

Claro que, desta oportunidade, eu beneficio também porque compreendo melhor o mercado e as tendências do mesmo, as dificuldades que estas empresas sentem e as soluções que encontram para as ultrapassar e essa aprendizagem traz-me também mais-valias para dentro da sala de aula. 

Este intercâmbio de conhecimento, para mim, faz todo o sentido e, por este motivo, assim que soube da existência deste programa, coloquei-me logo à disposição.  

Que ligação tem o empreendedorismo com a sua área da Comunicação Estratégica e Organizacional? 

As preocupações fundamentais de grande parte dos que decidem iniciar o seu negócio prendem-se com financiamento e em perceberem como podem adquirir sustentabilidade financeira, qual o processo de trabalho e o valor acrescentado que trazem com o seu modelo de negócios.  

Estes aspetos-base de uma empresa estão relacionados ainda com uma fase inicial de planificação e criação de empresas. No entanto, depois vem a componente comunicacional – tanto interna como externa – e que é de extrema importância também. Essa é a lógica normal. No entanto, considero que a comunicação deve ser equacionada desde o início no planeamento do negócio, pela sua importância acrescida.  

Enquanto mentora da IPStartUp, que importância atribui a uma incubadora académica para um estudante do ensino superior que queira empreender? 

É um primeiro porto de abrigo para os estudantes. Os estudantes até podem ter sentido de oportunidade e encontrarem uma solução fantástica para implementar no mercado, mas, se não souberem quais são os procedimentos a adotar para implementar essa solução e transformá-la numa área de negócio e se não tiverem essas ferramentas, qualquer ideia morre à nascença.  

Quem é que os pode ajudar no início desse trajeto empreendedor? Um dos primeiros espaços e mais seguros, no sentido em que lhes pode proporcionar alguma proteção, é a IPStartUp porque oferece um conjunto de ações e formações que podem ajudar esses estudantes que têm interesse em implementar uma ideia de negócio a darem os primeiros passos. Ajuda-os a desmistificar as questões complicadas dessa implementação, como, por exemplo, toda a burocracia associada a um conjunto de documentação necessária e até mesmo a fiscalidade associada à criação de um negócio. Todas estas questões podem ser entraves para quem não tem conhecimento.  

Por isso, para mim, a necessidade de existir uma incubadora que estabeleça essa relação é óbvia. 

Nesse sentido, qual a importância de um concurso como, por exemplo, o Poliempreende para o desenvolvimento do percurso profissional dos estudantes? 

É uma forma de estabelecer uma relação com o mercado de trabalho. Independentemente de gostarmos ou não da diferenciação entre ensino politécnico e ensino universitário, a verdade é que a ótica do ensino politécnico é formar os seus estudantes para o mercado de trabalho,  não esquecendo a vertente cidadã do indivíduo. E prepará-los para o mercado de trabalho pode passar por lhes dar ferramentas fundamentais para criarem a própria empresa.  

Outro aspeto fundamental do Poliempreende é a questão de proporcionar o desenvolvimento das soft skills associadas a esse perfil empreendedor. Mesmo que não se venha a criar uma empresa, é sempre uma mais-valia aprender a lidar com outros, sejam colegas de equipa ou superiores, aprender a gerir recursos e ter uma visão focada na resolução diária de problemas. Se eu tiver a capacidade de desenvolver essas competências em mim, vou ser uma profissional mais completa.  

Por outro lado, do ponto de vista da imagem institucional, só temos a ganhar com a aposta neste tipo de concursos e iniciativas, porque nos posiciona como uma instituição com dinamismo, com pessoas capacitadas e uma comunidade com potencial de colocar as suas ideias no terreno. Para mim, é um aspeto fundamental porque valoriza imenso a nossa instituição de ensino em relação às demais.